*EDITORIAL: Midiatização da Justiça e relativização de Direitos Fundamentais, com Dr. Celso Bicudo Jr*.

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Midiatização da Justiça e relativização de Direitos Fundamentais.
Em 2014 apresentei o meu trabalho de conclusão de curso de pós graduação e na época era sobre um vértice agressivo e truculento do Direito Penal, o ainda pouco conhecido Direito Penal do autor ou “Direito Penal do inimigo”.
 
Em miúdos, neste ramo não se pune pelo ato (fato típico) praticado mas, preocupa-se somente em identificar quem é o agente, pouco importando o ato que ele cometeu estar inserido ou não na norma penal incriminadora ou pior até mesmo na teoria geral do delito.
Oportunamente, me veio à memória as teses Lombrosianas em que era plausível punir a pessoa pelo que demonstrava ser (nariz grande, tatuagem, ser destro entre outras características físicas), antes mesmo de praticar qualquer conduta que violasse algum bem jurídico tutelado, ou seja, colocava a criminalidade como uma característica primitiva, inclusive anatômica, pois, dizia ele, mesmo que a pessoa não tivesse feito nada, ser perigoso era uma coisa que já fazia parte de seu ego. Enfim….
 
Já Jakobs sustenta que o Direito Penal deveria ser dividido em dois ramos, onde um destes ramos estaria devidamente atrelado ao estudo de cidadãos comuns, que em qualquer momento viessem a serem autores de uma conduta criminosa e outro paralelamente a esse direito penal do fato, justaposto a todo e qualquer indivíduo de uma sociedade, estaria o direito penal do autor, o qual viria com o intuito de penalizar de forma mais rigorosa os agentes de alta periculosidade, considerados inimigos do bem comum, que na visão do doutrinador alemão, possuem características individuais voltada para às ações criminosas, ou seja, uma pessoa regada perigosa que deve ser neutralizada.
 
Ora! É sabido que a pena só pode ser imposta a quem agindo com dolo ou culpa, e merecendo juízo de reprovação, cometeu um fato típico e antijurídico!
O juízo de reprovabilidade (culpabilidade), elaborado pelo juiz, recai sobre o sujeito imputável que, podendo agir de maneira diversa, tinha condições de alcançar o conhecimento da ilicitude do fato (potencial consciência da antijuricidade).
 
Friso que o juízo de culpabilidade que serve de fundamento e medida da pena repudia a responsabilidade penal objetiva (aplicação de pena sem dolo, culpa e culpabilidade).
A culpabilidade está sempre atrelada a um fato estabelecido, respeitando-se a autossuficiência de vontade do agente.
Em nosso ordenamento jurídico, o princípio possui raiz constitucional (implícita), deduzindo-se do inciso LVII do art. 5° (“ninguém será considerado culpado até o transito em julgado da sentença penal condenatória “) e do princípio da dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1°), o qual constitui seu fundamento axiológico.
 
Este princípio por sua vez possui alguns sentidos fundamentais, a saber: é um recurso integrante do conceito minucioso de crime, sendo pesquisado após a tipicidade e a ilicitude; é um princípio contador da pena, pois a pena não deve ultrapassar o limite fixado pela culpabilidade de determinada ação delituosa; e é princípio obstante da responsabilidade penal objetiva, ou seja, da responsabilidade penal sem culpa.
 
Durante longo período, as sanções penais se impuseram sem quaisquer exigências de que o fato fosse praticado dolosa ou culposamente.
 
Neste contexto, faço um paralelo rápido com o recente Julgamento do caso da “Boate Kiss” e a flexibilização do conceito de dolo eventual.
 
O inciso I do art. 168 do Código Penal pontua que o crime será “doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”, além disso é pacífico na Doutrina e Jurisprudência que o agente aceita como possível ou até provável, assumindo o risco da produção do resultado, ou seja, não basta, pois, apenas o agir quando não deveria – pois isso caracteriza a imprudência, é imprescindível o conformismo sobre a possibilidade da ocorrência do resultado danoso.
 
No caso em específico dos integrantes da banda, terceiros contratados para fazer um show em um estabelecimento que se encontrava aberto, em pleno funcionamento, nem de longe há a subsunção com o instituto dolo eventual.
 
Primeiro que não são eles os donos do estabelecimento, segundo que pressupunha-se que o mesmo estava regular perante os órgãos fiscalizadores municipais, estaduais e até mesmo perante o respeitável Ministério Público do Rio Grande do Sul, pois os donos do estabelecimento eram signatário de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e consequentemente deveriam cumprir todos os requisitos legais e regulamentares inclusive no que tange a saída de emergência, segurança, higienização e isolamento acústico.
Em miúdos, mesmo que o artefato já utilizado pelos integrantes da banda em outros estabelecimentos sem maiores intercorrências fosse usado no ambiente idealizado pelos integrantes conforme a realidade esperada não haveria a mínima chance de ocorrer qualquer tragédia, mesmo com o uso dos artefatos inadequados, pois o ambiente não permitiria tal dispersão rápida do fogo.
 
Não caberia e nem há como se aproximar do instituto do dolo eventual, porventura a se aproxima da forma culposa e com alguma atenuante conforme o caso.
Dolo eventual? Ora!
 
Quem sabia do material posto no teto era tão somente os donos do estabelecimento, esses sim em uma terceira via e uma melhor análise se enquadrariam em um possível dolo eventual, pois contrataram uma banda que sabidamente utilizava de fogos de artificio nos shows e sabiam que o material que revestia o teto era inflamável tudo isso conforme consta no processo já eram reincidentes no descumprimento de normas básica de segurança, aqui sim caberia um dolo eventual e possíveis qualificadoras e majorantes.
 
Por fim e já finalizando, auxiliei um trabalho de conclusão de curso, salvo engano em meados de 2017, que tinha como tema a utilização de cartas psicografadas como elemento de prova no processo penal, na minha concepção após a análise do perito grafotécnico e atestada a autoria através de método científico não há que se destacar tal prova, como alguns alegam que deveriam ser.
 
Ou seja, em um Estado de Justiça que não há lei que seja cumprida e respeitada e sim, há uma busca frenética em identificar culpados genericamente sem atentar ao ato que ele realmente praticou, principalmente nos casos em que os maiores culpados são entes estatais que falharam na fiscalização, é patente que nem uma ajuda do além é bem-vinda.
Ademias, em falar do além, importante frisar que foi a soberania popular, fazendo alusão ao júri, que sacrificou Jesus e livrou Barrabás.
 
Finalizo com uma pontual e ácida frase do ilustre doutrinador Luigi Ferrajoli;
“Quando a Jurisdição não tem mais a função de verificar a verdade, mas o consenso da opinião pública, não há devido processo legal.”
 
Celso Bicudo Jr é advogado.
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